sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Depoimento de Alice: Adriana Peliano

Alice em crise

 No capítulo II do Livro de Alice no País das Maravilhas, Alice está em busca de uma identidade:

 “Meu Deus, meu Deus! Como tudo é esquisito hoje! E ontem tudo era exatamente como de costume. Será que fui eu que mudei à noite? Deixe-me pensar: eu era a mesma quando me levantei hoje de manhã? Estou quase achando que posso me lembrar de me sentir um pouco diferente. Mas eu não sou a mesma (Carroll, Lewis, 1864, pg. 25.).

 A próxima pergunta é: ‘Quem é que eu sou?’. Ah, essa é a grande charada. Essa é a charada que envolve a crise dos “ismos” na História, pequena Alice! O questionamento da própria identidade, e a busca de uma verdade preocupa os teóricos.
 A hermenêutica contemporânea associada à teoria da narratividade vem tentando dar uma resposta à charada. A saída de seu mundo conhecido para a entrada num outro mundo, parcialmente desconhecido (afinal, todos os seres do País das Maravilhas também existem na nossa realidade – com a diferença de que não falam), leva Alice a perder sua personalidade, sua identidade; a menina passa a viver conforme as regras do País das Maravilhas, e quem é ela nesse país? Ora, é a pergunta que a Lagarta faz no Capítulo V: “Quem é você?” A resposta de Alice ilustra o que foi mencionado:

 “Eu... eu... no momento não sei, minha senhora... pelo menos sei quem eu era quando me levantei hoje de manhã, mas acho que devo ter mudado várias vezes desde então. (...) Receio não poder expressar mais claramente, pois, para começo de conversa, não entendo a mim mesma.”. (Carroll, Lewis, 1864, pg. 55).

Para Adriana Peliano, Alice sofre sim de uma crise de identidade e é reflexo em nós. A história de Alice é a própria condição pós-moderna, é a condição a qual nós em quanto sujeitos estamos propícios a cada instante, pois, vivenciamos e vivemos a nossa própria história, a construção de nossa identidade e a perda da mesma. Para Adriana Peliano:

“Menina rio, Alice transita entre labirintos aonde se perde e se encontra em ritmos misteriosos. O grande paradoxo que percorre as aventuras de Alice, diz Deleuze, é a perda do nome próprio, identidade infinita, eterno devir. Quando a lagarta pergunta para a menina, quem é você? Alice não sabe a resposta. Eu sei quem EU ERA, mas tenho me transformado várias vezes desde então. Num paradoxo Alice diz que não, mas também diz que sim: sei quem sou, contínua transformação. Como Alice, quando parece que sabemos quem somos, já somos outros, e o que achamos que somos é o que um dia fomos. E o mundo que conhecemos já é outro a cada instante. Menina que nasceu no rio de Heráclito, que sabe que o ser e o não ser conversam todo tempo, num eterno ciclo de se criar a todo momento”. (PELIANO, Adriana[1], 2011, s/p.).




Anti Alice - Por Adriana Peliano

Para a artista, Alice se tornou um “caleidoscópio[2]” de multiplicidades. A própria Alice ilustrada perde a sua identidade, já não é mais a mesma Alice da era vitoriana criada por John Tenniel, para Adriana Peliano, muitos artistas foram movidos pela necessidade de superar os estereótipos da menina, procurando para a mesma novas linguagens e faces. “Ao invés da pergunta: quem é Alice, hoje desdobram caminhos para quem Alice pode vir a ser...” (PELIANO, Adriana, 2011, s/p ).

“Os artistas e ilustradores foram levados a descobrir ou inventar novas relações entre texto e imagem. A identidade do tema era subvertida pela atração pelo desconhecido e pelo inexplicável. O ilustrador passou a provocar e transgredir ao invés de repetir. Questionaram a idéia clássica que a arte devia imitar ou interpretar a realidade exterior. Passaram a buscar também a subversão, o paradoxo e a experimentação. Hoje se habita a alteridade e a diferença. Leituras intertextuais, metalinguagem, montagens múltiplas, narrativas não lineares. Abracadabra”. (PELIANO, Adriana, 2011, s/p ).

Alice transforma-se, se perde, se encontra e desencontra-se, é fato sua ligação com nosso período, o autor Boaventura de Souza Santos a utilizou para explicar o social e o político na pós-modernidade em seu livro “Pela Mão de Alice”.
A garotinha de Carroll vem sendo recriada dentro de todos os conceitos existentes na área artística, ela passou pelo clássico, pelas vanguardas e agora dança entre nós, assim como nós somos recriados pelos padrões atuais, pelo mercado, pela indústria cultural e a influencia da cultura de massa.


Figura 5 - Alice– Salvador Dalí                Alice- John Tenniel
Fonte: http://brasillewiscarroll.blogspot.com, acessado: 21/092011

“Desde o início do século passado, cada década criou nas diferentes visões e estilos as suas próprias Alices. Art Noveau, Art Déco, Surrealista, Pop, Psicodélica, Futurista, Gótica, Näif, Étnica, Dark, Steampunk, surrealista pop[3]. Alice é uma menina doce e ingênua, uma feminista questionadora, uma pequena perversa, uma assassina louca e sanguinária, uma adulta drogada, uma buscadora de mundos além da consciência, uma psicodélica delirante, uma guerreira de espada e armadura, múltipla e mutante’. (PELIANO, Adriana, 2011, s/p).

O sujeito, no início deste século, busca uma forma de identificar-se na sociedade em que vive, assim como Alice. Os problemas que fazem com que isso aconteça são as diversas transformações que sua identidade cultural sofreu ao longo dos anos. A cultura passou a se transformar em um instrumento e tática indispensável de governabilidade e de reprodução do capitalismo, de acumulação flexível, já que na esfera do Estado Local assumiu a forma de animação e espetacularização virando fetiche.
Na esfera social se torna um meio de aquisição de capital simbólico, de aquisição de status quo e habitus de classe, como estratégia de diferenciação na massa, pois o ato de consumir necessita e se apresenta sob a aparência de um gesto cultural legitimador de imagens ou simulacros. Portanto a forma-mercadoria avança para a forma-publicitária, pois o que se consome na pós-modernidade é um estilo de vida - a cultura se transforma no elemento chave na máquina reprodutiva do capitalismo.
A crise de identidade se manifesta no indivíduo formador de opiniões, individuo que desenvolve a arte, uma arte também em crise, não compreendida, ou até mesmo, cheia de valores metamórficos, onde fragmentos culturais são representados. Hoje, o sujeito é um ser com uma identidade híbrida e vive sob o signo da pós-modernidade. Segundo Stuart Hall:

O sujeito pós-moderno, conceptualizado não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. (HALL, 1998, pg.12, 13).


Esta ausência de identidade que acontece no individuo e em Alice percebida através de “Alicinações”, principalmente, pelo fato do indivíduo não poder viver mais na sociedade como um ser pleno, como na concepção dos iluministas[4], unificado desde o seu nascimento a até a sua morte, ou como um sujeito sociológico, possuidor de uma natureza ideal de um “ser” que o identificaria no mundo, mas que poderia ser modificada quando em contato com o mundo exterior. Os modos de vida colocados em ação pela modernidade nos livraram, de uma forma bastante inédita, de todos os tipos tradicionais de ordem social. Tanto em extensão, quanto em intensidade, as transformações envolvidas na modernidade são mais profundas do que a maioria das mudanças características dos períodos anteriores.
Atualmente ele vive um novo modo de se identificar, sendo um sujeito pós-moderno, sem identidade fixa, nascido da diversidade de culturas do mundo globalizado, tendo sua identidade construída e reconstruída permanentemente ao longo de sua existência.

As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno. A assim chamada ”crise de identidade” é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social. (HALL, 1998, pg.7)

Nessa nova sociedade o homem não faz mais parte de um organismo único, ele é projetado de forma fragmentada, transformando-se em um híbrido cultural, e sendo obrigando a assumir várias identidades, dentro de um ambiente que é totalmente provisório e variável, estando sujeito a formações e transformações contínuas em relação às formas em que os sistemas culturais o condicionam.
 O que condiciona principalmente essa nova identidade do homem pós-moderno, é a indústria cultural que, através da difusão de símbolos antes restritos a determinadas localidades, os massifica e os converte em mercadoria de fácil assimilação e absorção pela grande massa.
A identidade deixa de ser desenvolvida pela influencia recíproca entre o “eu e a sociedade”, conforme afirma Stuart Hall (HALL, 1998, pg.11), passando a ser formada pelas “supostas'' necessidades do homem, influenciado pela indústria cultural. Mas ao mesmo tempo que ele aceita usar destes símbolos da cultura de massa, ele busca a valorização de sua identidade regional, tentado fazer com que ela possa coexistir junto com as várias identidades globais ofertadas pela indústria cultural.

As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre ``a nação'', sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seus presente com seu passado e imagens que dela são construídas. (HALL, 1998, pg. 51)

A comunidade pode ser considerada outro grande problema de identificação do sujeito pós-moderno, pois ele não tem em si um conceito formado sobre o que ele representa no seu Estado. O hedonismo[5] provocado pela sociedade contemporânea o faz sentir-se um cidadão global, com necessidades regionais. Ele não cresce mais ouvindo histórias sobre os grandes heróis de seu povo e sim ouvindo as grandes aventuras da televisão, que não tem como objetivo centrá-lo na sua região, e sim o de abrir novas portas para que ele queira e possa se integrar à aldeia global.
A integração do homem pós-moderno, sujeito fragmentado que busca referências através das mídias para formar sua identidade, acaba por acontecer de dentro para fora. Ele, o sujeito pós-moderno, busca na heteronomia da sociedade global as formas de poder estar se resocializando neste novo mundo.
Toda essa complexidade de autores como Hall é imortalizada em Adriana Peliano. A artista busca representar as metamorfoses de Alice e dos personagens inseridos na história de forma a representar a condição pós-moderna. Com objetos estranhos e restos de histórias, a representação da perda de identidade é reinventada se adequando à arte contemporânea. A artista responde a própria pergunta que todos têm quando se deparam com as obras e imagens de Alice e seus personagens em uma linguagem tradicional:

Se o texto é assim, por que as suas ilustrações são em geral tão literais e unívocas? A proposta da pesquisa Alicinações foi, portanto a de ilustrar novamente as duas Alices, operando uma nova relação entre texto e imagem, na busca de uma aproximação de Alice em sua maior complexidade. Tendo como referência a obra de Deleuze, Lógica do Sentido, a pesquisa desenvolveu-se em duas etapas: dos corpos em profundidade aos acontecimentos de superfície. Corpos em profundidade, os personagens das duas obras foram construídos através de montagens com objetos diversos, segundo seus atributos lógicos, nomes, significados incorporados pelo uso e características formais. (PELIANO, Adriana, 2011, s/p, www.algosobre.com.br, acessado em: 29/09/2011)

A identidade sendo apenas um fragmento, uma colcha de retalhos, que foi remendada com vários pedaços de culturas homogêneas fez o homem pós-moderno adotar um simulacro do individualismo levando-o a transitar entre dois pólos distintos o seu eu interior, aquele que procura saber quem ele é, e a que sociedade a qual ele pertence que seria o seu eu exterior, que o faz interagir com o meio no qual ele vive, sendo assim, a forma que a artista utilizou para mostrar a alma da historia de Carroll.
Toda a amostra de “Alicinações” é um labirinto, um jogo, onde leva o observador a vasculhar cada parte da obra e buscar signos que identifiquem à face do personagem e a mensagem social correspondente a atualidade.
Para a artista, sua obra:

Buscou-se recriar através de imagens, a lógica e o sentido do texto, abrindo assim o leque de referências e possíveis leituras para os diálogos, personagens, situações e espaços imaginários propostos nas duas obras. As ilustrações foram elaboradas através de colagens a partir das fotografias dos personagens, entre outras tantas possibilidades. Também foram utilizadas as ilustrações originais de Tenniel, segundo novas relações de intertextualidade. Como um jogo multifacetado de espelhos, refletindo diferentes possibilidades de leitura da obra segundo diferentes contextos históricos e culturais. Jogos de linguagem, paradoxos lógico - semânticos, enigmas, múltiplos significados. Como num grande jogo, o objetivo é desnudar relações imprevistas, desvendar lógicas implícitas, repropor enigmas e paradoxos. (PELIANO, Adriana, 2011, s/p, www.algosobre.com.br, acessado em: 29/09/2011).

Adriana mostra que a cultura de massa consegue fazer uma revalorização da cultura local, e mesmo que inconsciente eles passam, também a perder o que antes era destinado somente a eles, pois, a globalização trabalha no sentido de aprimorar as identidades culturais locais, para que estas possam ser inseridas na sociedade global. Assim a globalização cria juntamente com a cultura de massa, um movimento sincrônico das identidades, sendo estas “costuradas” em personagens na vida de Alice.
A arte contemporânea, o sujeito contemporâneo e a obra de Adriana Peliano e até mesmo de Carroll, não deve ser enquadrada em conceitos anacrônicos, e sim sentida como eco de um mundo voraz, múltiplo e vasto. Esse mundo é representado não pela verossimilhança, e sim pela liberdade, sendo esta liberdade não usada pelo sujeito, mas pela indústria cultural, pelo mercado.


Alices por adriana peliano






[1] Trecho do artigo: “­The Hunting of Alice in 7 fits” de Adriana Peliano, artigo disponível somente para este projeto, liberado e enviado pessoalmente pela artista.
[2] Ferramenta que multiplica imagens em vários fragmentos. Fonte: www.lewiscarrollsobrasil.com.br, acessado em 15/09/2011.
[3] Sobre a história das ilustrações de Alice e a influência de Tenniel, ver: OVENDEN, Graham & DAVIS, John. The illustrators of Alice in Wonderland. London: Academy Editions. New York: Martin’s Press, 1979. Fonte: http://brasillewiscarroll.blogspot.com, acessado: 21/092011

[4]  Iluminismo: Movimento cultural de elite de intelectuais do século XVIII na Europa, que procurou mobilizar o poder da razão, a fim de reformar a sociedade e o conhecimento prévio. Fonte: /www.algosobre.com.br, acessado em: 29/09/2011.     
[5]  Doutrina moral que considera ser o prazer à finalidade da vida: há pessoas que professam naturalmente o hedonismo. O termo hedonismo vem de uma palavra grega que significa prazer. Na Grécia antiga, epicuristas e cirenaicos baseavam suas teorias éticas na idéia de que o prazer é o maior bem. Mas os epicuristas acreditavam que os homens devem buscar os prazeres da mente, e não os prazeres do corpo. Achavam que o sábio evita os prazeres que mais tarde podem lhe causar dor. Fonte: www.algosobre.com.br, acessado em: 29/09/2011

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

NA BARCA DO SONHO: ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS

A história com o título de “Alice's Adventures Under Ground”, ou seja, Alice no País das Maravilhas teve sua origem em 04 de julho de 1862 e foi escrita pelas mãos de Charles Lutwidge Dodson, ou como todos o conhecem, pelo pseudonome de Lewis Carrol. A História surgiu de improviso quando Carroll, na companhia do seu amigo Robinson Duckworth, contou para entreter as três irmãs Liddel (Lorina Charlotte, Edith Mary e Alice Pleasance Liddel).
No mesmo dia, antes de se deitar, Carroll passou para o papel toda a história tal como havia contado a Alice e às suas irmãs. Chamou-lhe "Alice Debaixo da Terra". Somente dois anos depois (1864), o livro foi concluído e recebeu o nome de "Alice no País das Maravilhas". Após fazer as mudanças que julgava ser necessárias, Carroll publicou o conto no ano seguinte. Passados seis anos, lançou "Alice do Outro Lado do Espelho", uma sequência. O manuscrito original do livro “Alice no Páis das Maravilhas” foi entregue a Alice Pleasance Liddell, como conta Morton N. Cohen[1], seu biográfo:

A história teve sua origem em 4 de julho de 1862, durante um passeio de barco pelo rio Tâmisa, Charles Lutwidge Dodson, na companhia do seu amigo Robinson Duckworth, conta uma história de improviso para entreter as três irmãs Liddell (Lorina Charlotte, Edith Mary e Alice Pleasance Liddell). Eram filhas de Henry George Liddell, o vice-chanceler da Universidade de Oxford e decano da Igreja de Cristo, bem como diretor da escola de Westminster (Cohen, Ano: 1995, p.12).    

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Figura 1 - Primeira impressão do Livro “Alice no País das Maravilhas” – (1865), foi leiloada por 1,5 milhão de dólares americanos. (Cohen, Ano: s.d, p.523).


Figura 2 - Alice Liddell –(1868) Fotografia tirada por Lewis Carrol retirada do livro "Pleasures Taken - Performances of Sexuality and Loss in Victorian Photographs", pg. 12 da autora Carol Mavor[2].

Lewis Carrol é um um romancista, poeta e matemático britânico. Lecionava matemática no Christ College, em Oxford, Lewis também era um membro da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, uma organização fundada por um pastor anglicano para o estudo do Espiritismo, Percepção Extra-Sensorial (PES), clarividência e todo o tipo de atividade paranormal. (PELIANO; ADRIANA[3], 2011).





Figura 3 - LewisCarroll – Autoretrato – sem data, do livro"Pleasures Taken - Performances of Sexuality and Loss in Victorian Photographs" pg. 12 da autora Carol Mavor.


Ainda segundo seu biográfo, (Cohen, Ano: s.d, p.523), quando criança Carroll brincava com marionetes e prestidigitação, ou seja, magia e ilusionismo, gostava de passar seu tempo fazendo mágica para crianças, sua relação com elas alías, durou toda sua vida. Cohen ainda vai mais fundo em sua biografia sobre Carrol e afirma que ele gostava de modelar um camundongo com um lenço e em seguida fazê-lo pular miseriosamente com a mão. Ensinava as crianças a fazer barquinhos de papel e também pistolas de papel que estalavam ao serem vibradas no ar. Interessou-se pela fotografia quando esta arte mal havia surgido, especializando-se em retratos de crianças e pessoas famosas, compondo suas imagens com notável habilidade e bom gosto. Carrol era apaixonado por vários tipos de jogos, tanto que inventou um grande número de enigmas, jogos matemáticos e de lógica, gostava de teatro e era frequentador de ópera. Manteve uma amizade por toda a vida com a atriz Ellen Terry.
Uma de suas frases mais marcantes era "Gosto de crianças (exceto meninos)". Quando tinha oportunidade gostava de desenhar ou fotografar meninas seminuas, com a permissão da mãe. "Se eu tivesse a criança mais linda do mundo para desenhar e fotografar", escreveu, "e descobrisse nela um ligeiro acanhamento (por mais ligeiro e facilmente superável que fosse) de ser retratada nua, eu sentia ser um dever solene para com Deus abandonar por completo a solicitação”. (MAVOR, CAROL 1995, pg. 12)
Por temor que estas imagens desnudas criassem embaraços para as meninas mais tarde, pediu que após a sua morte fossem destruídas ou devolvidas às crianças ou a seus pais. Quatro ou cinco fotos ainda sobrevivem. Uma delas é possível encontrar no livro "Pleasures Taken - Performances of Sexuality and Loss in Victorian Photographs" da autora Carol Mavor. Na página 12 do livro é possível encontrar a foto da menina Evelyn Hatch, 1878 (fotografada totalmente nua) como também referências ao trabalho fotográfico de Lewis Carroll.
Em outro livro intitulado "Cartas às suas amiguinhas" da editora Sette Letras, o conteúdo das cartas de Lewis Carroll às meninas com quem ele se relacionou é analisado de forma fria e racional e revela uma intimidade fora do comum entre Lewis e as meninas que ele fotografou.

                                          Figura 4 - Foto que inspirou a capa do Album “Virgem Killer” da banda alemã Scorpions, lançado em 1976 com a foto de Evelyn Hatch tirada por Lewis Carrol em 1878, a fotografia foi trabalhada em studio para melhor qualidade.

Alice no País das Maravilhas intriga até os dias de hoje, ja se passaram mais de 150 anos que a história foi escrita, mas a sua ligação com a realidade é inconfundivel. Alice tem crise de identidade e se depara com um mundo novo, ela muda a cada instante para se adaptar, sua vida vira um caos, ela esta a procura do subjetivo, tudo que a cerca é alvo de suas perguntas e dúvidas, as figuras que até hoje impregnam nossa mente fazem sentido se ligarmos com o externo.
A grande discussão é entorno desta crise de identidade e para entendermos a nossa crise em pleno séc. XXI, entraremos no mundo de Alice e nos tornaremos ela, por mais que já sejamos, precisamos compreender através da arte estes encontros e desencontros que são causados em nossa mente, e a escola é o lugar onde mais eles se afloram, somos atingidos todos os dias pela cultura de massa, pelas armas utilizadas por esta para nos controlar e nos guiar neste mundo globalizado onde o que o rege são os ideais de poucos que possuem muito.




[1] Professor Emérito da Universidade da Cidade de Nova York , mais conhecido por seus extensivos estudos sobre o autor infantil Lewis Carroll , sendo seu livro mais conhecido: Lewis Carroll: A Biografia. Fonte:  www.algosobre.com.br, Acessado em 20/08/2011.
[2] Carol Mavor, é escritora do Livro “"Pleasures Taken - Performances of Sexuality and Loss in Victorian Photographs” que traz ideologias sobre o sexo infantil e fotos, muita delas tiradas por Carroll de crianças que ele admirava, nuas ou em poses sensuais. Fonte:  www.algosobre.com.br, Acessado em 20/08/2011.
[3] Para encontrar o portifólio de Adriana Peliano, é necessário entrar em seu blog, onde tem todas as suas histórias pelo mundo das artes, da literatura e de Carroll. (Portifólio On-line de Adriana Peliano: http://adrianapeliano.blogspot.com/), Acessado em: 19/08/2011.

INTRODUÇÃO - “ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS: OS ENCONTROS E DESENCONTROS COM O SÉC XII E A ARTE”

A história de Alice estabeleceu diálogos com todas as formas de arte, num processo constante de atualização e revisitação. Há mais de 150 anos elementos dessa obra figuram no imaginário popular e falam da sociedade em que vivemos. Quando a lagarta pergunta para Alice quem ela é, a menina não sabe responder depois de ter se transformado tantas vezes naquele dia. Segundo Maria Zilda da Cunha e Nathália Xavier, o livro de Carrol foi:

Considerado “o primeiro grande nome da área do realismo maravilhoso dentro da literatura infantil moderna”, Alice exerceu uma enorme influência no imaginário da sociedade atual. Os ecos da obra continuam a reverberar nas produções culturais contemporâneas. (CUNHA, Maria Zilda Da, XAVIER, Nathália; Revista Sete Fios, 14/04/2010, “Os Diálogos de Alice”, pg. 15) 


Sir John Tenniel (Londres, 28 de fevereiro de 1820 - Londres, 25 de fevereiro de 1914)
Sir John Tenniel (Londres, 28 de fevereiro de 1820 - Londres, 25 de fevereiro de 1914) - capa

Alice perde e procura sua identidade prestes também a perder a cabeça, enquanto isso ela se move no terreno movediço da linguagem que se desmancha e revela suas armadilhas lógicas e semânticas (Peliano[1], 2009). A arte seguindo os passos da humanidade está no mesmo terreno de Alice.
A escola é o ambiente que deve propiciar ao discente esta busca de identidade, mesmo vivendo em um período onde se fala em crise de motivação, excesso de informação e sociedade de consumo, enfim, os resultados que a globalização trouxe são os resultados propiciados pela máquina que a move, o mercado. A identidade não é algo que se possua, mas algo que se desenvolve durante a vida, e grande parte deste desenvolvimento se dá na escola.

Olhei pra lagarta, ela olhou pra mim e quando ela me perguntou quem eu era – e isso era jeito de começar uma conversa? – eu já não sabia mais o que dizer. Pra falar a verdade eu ainda não sei muito bem, pelo menos sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já me transformei várias vezes desde então. (PELIANO, Adriana. “Menina Sonho”, 2010, s/p, disponível no link: http://historiadamenina.blogspot.com/, acessado em 15/08/2011).

http://photos1.blogger.com/blogger/4704/1772/1600/Alice&Lagarta.jpg      
Alice e a Lagarta - S/A

Se pensarmos Alice no País das Maravilhas dentro de um conceito contemporâneo e moderno, estaremos pensando na crise de identidade do sujeito. Se pensarmos na crise de identidade do sujeito, vemos que este faz parte de uma sociedade, e a sociedade também está em crise porque ela é formada por ideologias que vem do ser racional (sujeito). Agora podemos completar com a arte de Adriana Peliano que será foco para análise da obra de Carroll. Peliano constrói uma obra de arte contemporânea. A arte acompanha a evolução social e política da sociedade. Se a sociedade está em crise e o sujeito é parte dela, está em crise também, obviamente a arte está em crise de identidade.
É intrínseco ao sujeito conhecer os ares que lhes rodeiam, para entender este momento de crise de identidade é imprescindível elevar a discussão para o termo de modernidade, moderno, modernismo e contemporâneo. Alain Touraine deixa bem claro esta guerra com a que estamos vivendo, guerra esta claramente presente na obra de Carroll:

Nós vivíamos no silêncio, nós vivemos no barulho; nós estávamos isolados, nós estamos perdidos na multidão; nós recebíamos muito poucas mensagens, nós somos bombardeados por elas. A modernidade nos arrancou dos limites estreitos da cultura local onde vivíamos; ela nos jogou igualmente na liberdade individual como na sociedade e na cultura de massa. (TOURAINE, Alain, Crítica a Modernidade, 2002, 7° Ed, pg. 99)

Touraine deixa clara a razão da crise de identidade, “ela nos jogou igualmente na liberdade individual como na sociedade e na cultura de massa” Esta liberdade individual da qual Touraine fala trata-se do eu, do eu que sofre com as influências massificadoras e perturbadoras, um eu que grita por liberdade, mas que não consegue ser livre das piores criações feitas para alienar, feitas apenas para manipular o sujeito e induzir sua mente. Touraine ainda esclarece que:

Por muito tempo lutamos contra os antigos regimes e suas heranças, mas no século XX lutamos contra novos regimes, contra a nova sociedade e o novo homem que quiseram criar tantos regimes autoritários, que fazem ouvir os apelos mais dramáticos à libertação, que fazem revoluções dirigidas contra as revoluções e os regimes que delas nasceram. A força principal da modernidade, força de abertura de um mundo que estava cercado e fragmentado, se esgota à medida em que as mudanças se intensificam e aumenta a densidade em homens, em capitais, em bens de consumo, em instrumentos de controle social e em armas".(TOURAINE, Alain, Crítica a Modernidade, 2002, 7° Ed, pg. 99 e 100).

Pensar Alice no país das Maravilhas e Através do Espelho, falar da construção de identidades e do séc. XXI é pensar as constantes mudanças de paradigmas que estamos vivenciando, e a arte é um meio de se pensar este estado de pensamentos que se contrapõe a todo instante. Se pensarmos na importância do eu e na valorização da identidade estaremos lutando contra ideologias impostas por um sistema. A arte é uma das áreas responsáveis pelo desenvolvimento da identidade e da personalidade do discente, ele precisa compreender estes signos, este mundo de imagens e informações que o cercam a todo instante, pois é esta cultura massificadora do mercado que está transformando o homem. 






 Trabalho da fotógrafa Russa Elena Kalis - Alice in waterland - Para mais trabalhos da artista acesse: http://www.elenakalisphoto.com/alice/

Em uma entrevista concedida em 2000 a revista Agência USP, Ana Mae Barbosa nos diz que "A linguagem visual nos domina no mundo lá fora e não há nenhuma preocupação dentro da escola em preparar o aluno para ler essas imagens. O público quer conhecer; falta educação para a arte”. Na mesma entrevista, Ana Mae Barbosa ressalta a preocupação que aflige a todos: “O público em geral sabe que a arte contemporânea, a que está nos museus é o código erudito, o código do poder. Sem dominar esse código ele se sente longe do poder sobre a sua própria cultura".
Nas palavras de Ana Mae e no propósito deste projeto está o encontro de idéias que é propositar ao discente o entendimento desta força massiva de imagens e mídia, é isto que os transforma em seres alienados e desorientados, o que faz com que não se importem com o erudito, com os livros e com o conhecimento. Fazê-los encontrar-se e concretizarem uma opinião própria, um olhar critico e um entendimento deste jogo e propósito de signos é essencial, pois é parte da construção do subjetivo. A necessidade é fazer com que os horizontes se abram para o discente, que ele saiba da existência da crise de identidade, de suas causas e que busque identificá-las através da arte, que ele perceba que somos Alice e que caímos no buraco do coelho desde o séc. XIX, onde os olhares da humanidade corriam a produções industriais, aos meios de comunicação, ao multiculturalismo que moveu as veias familiares e as raízes que identificavam o sujeito.
Ter em mente que uma sociedade é o conjunto de pessoas que compartilham propósitos, gostos, preocupações e costumes, e que interagem entre si constituindo uma comunidade. A escola faz parte da sociedade, então, todo ser social leva para a escola sua identidade cultural e ela se reflete nas relações do discente com o meio. Quando Alice se depara com seu meio social que é controlado e que ela não tem tomado decisões e valorizado seus gostos pessoais ela entra em crise com o mundo real, pois, tudo a sua volta era controlado por um sistema, e se não fosse como o sistema quissese ela não estaria dentro das normas de determinada tribo.
Tem-se então a crise de identidade e a perda do subjetivo. Nesta sociedade tudo se transforma a cada minuto, as relações tecnológicas, a individualidade, os egos, enfim tudo em torno de imagens e do mercado que consome mais do que o livre arbitrio. Os problemas da escola já não são só em torno da aprendizagem, mas de unidade e respeito, antes situações que eram raras se tornaram comuns como o preconceito, o bullying, crises familiares e sociais que influênciaram nas atitudes dos discentes. Diante de todos estes problemas surge a importância de pensar Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho no ensino da arte como uma metáfora para o mundo exterior, e falar da construção de identidades e no século XXI. Para Adriana Peliano:
 
Alice nasceu num passeio de barco e o rio é a grande metáfora de Heráclito para o devir. Ela se transforma o tempo todo e já não sabe mais que é. Isso significa que ela está em crise? Sim, e não. Crise como momento de crescimento e transformação. Penso que ela percebe que não pode mais esperar uma resposta única e estável para a pergunta da lagarta: Quem é você? Ela se descobre múltipla e mutante. Ela perde certezas acomodadas e é convidada para um mundo aonde ela precisa incessantemente se reinventar, reinventando o mundo e sendo por ele reinventada. Será levada pelo ritmo do consumo ou pelo fluxo do rio? (PELIANO, Adriana, 2010).

 
Mad Tea Party - Salvador Dalí/1969

E é através da razão comunicativa, artística, e a compreensão deste novo olhar sobre a obra de Carroll que iremos compreender esta sociedade contemporânea. Para a realização desta compreensão, especificamente devemos construir através de fundamentação teórica, pesquisas bibliográficas e práticas, um projeto de pesquisa com coerência e eficiência visando o problema Crise de Identidade e os encontros e desencontros com o séc. XXI e a arte, usando metaforicamente Alice e as obras inspiradas neste clássico literário produzidas por Adriana Peliano.
Estar estabelecendo as práticas do projeto nos diferentes níveis de ensino propiciando ao discente o conhecimento e o acesso à arte e as problemáticas do séc. XXI são fundamentais, pois assim estaremos pondo-os para pensar a construção do eu; Elaborar, através de investigação e pesquisa a história e as produções artísticas referentes à Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho, desvendando sua busca pelo eu e a crise de identidade ligando ao mundo exterior e compreendendo o séc. XXI e as produções artísticas pós-modernas; Tendo como base artística as obras de Adriana Peliano e metodologia guiada pela abordagem triangular de Ana Mae Barbosa, buscando assim chegar às possíveis soluções da problemática; Compreender a arte contemporânea é compreender a atualidade, a Indústria Cultural, a massificação, este multiculturalismo que também nos faz perder a cabeça assim com Alice.
Através de fundamentação teórica, pesquisas bibliográficas e práticas, entenderemos o contexto de Alice no País das Maravilhas e Através do espelho e o ligaremos com o mundo exterior de forma a compreender os encontros e desencontros com séc. XXI e a arte pós-moderna, visando sempre à crise de identidade, a perda do subjetivo para as linguagens existentes e que nos cercam.
       Usufruindo das linguagens visuais e da obras da artista Adriana Peliano para a formação de identidade e para a compreensão da falta desta no séc. XXI, executaremos a reflexão com os discentes através de práticas artísticas como colagens e assemblagens, no manuseio para criações de instalações através da busca de objetos curiosos, restos de brinquedos, cacos de coisas e rastros de histórias, na criação de curta-metragem, vídeo art., enfim as formas artísticas pós-modernas irão desenvolver o senso critico e sua identidade de forma a entender as propostas das linguagens que nos cercam e desta massificação cultural. (PELIANO, 2009).
Através da abordagem triangular de Ana Mae Tavares Bastos Barbosa, valorizaremos o conhecimento a partir do senso comum e assim estaremos abrindo espaços, em sala de aula, para a discução da arte e para a compreensão desta cultura de massa que traz a crise de identidade, compreender Alice e os signos que a cercam e ligá-lás com o social do discente pondo em seguida em prática através dos fazeres artisticos todo esse conjunto de estado de consciência humana, abrangendo percepção, emoção e razão.
As DCE’S e os PCN’S discutem a problemática do séc. XXI e a perda da subjetividade do ser humano, esta pesquisa preocupa-se com questões, se a escola está tendo esta preocupação em pensar a construção do sujeito de forma completa combatendo os paradigmas impostos pela cultura de massa?
Quando a lagarta pergunta para Alice quem ela é, a menina não sabe responder depois de ter se transformado tantas vezes naquele dia. E nós quantas vezes nos transformamos durante o dia para nos enquadramos nas normas sociais? Quem é Alice? Nós somos Alice?

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[1] Adriana Peliano é artista plástica e fundadora da Sociedade Lewis Carroll do Brasil, é a artista foco do tema do projeto. Todo o projeto foi desenvolvido baseado na fala e linguagem desenvolvida por Peliano encontrado no seu site: http://www.lewiscarrollbrasil.com.br/